Antônio Américo
Cantador plantou um programa radiofônico que cultivava cultura popular
O Jornal União homenageou, neste domingo (23), o poeta Antônio Américo de Medeiros, falecido em 2014.

O Jornal A União, na sua edição 123 (Ano 131), do último domingo, dia 23, homenageou o poeta potiguar Antônio Américo de Medeiros, que por muitos anos residiu na cidade de Patos. Medeiros, que chegou a ser homenageado pela Assembleia Legislativa da Paraíba com o Título de Cidadão Paraibano, através de um projeto de lei de autoria da deputada estadual Francisca Motta, deixou um legado no âmbito cultural do Nordeste, através de sua poesia, seja no Repente ou Cordel.

No ano de 2021, o poeta teve sua obra reunida e publicada pela Editora da UFCG, através de um trabalho de pesquisa da Professora Naelza Wanderley. Clique na imagem para download da obra Versos, Viola e Sertão: obra completa de Antônio Américo de Medeiros.

Agora, o jornalista Marcos Carvalho trouxe aos leitores de A União um breve relato de sua atuação e contribuição à Literatura e a Cultura, através do Rádio, em seu tempo, e que se eterniza pós sua morte. Vale a pena “desfrutar” do breve texto.

Antônio Américo de Medeiros nasceu em 7 de fevereiro de 1930, em São João do Sabugi, no Rio Grande do Norte, onde, ainda jovem, se dividia entre a agricultura e a cantoria de viola nas  vizinhanças, aos fins de semana. Como perdeu os pais muito cedo e não tinha irmãos, embarcou na viagem da música e passou a percorrer o Nordeste como trovador, até pousar em Patos, no Sertão da Paraíba, e fazer daquela cidade a sua terra.

Quando se estabeleceu na “Capital do Sertão paraibano”, em 1960, seu talento com a viola não passou despercebido e logo ganhou espaço na Rádio Espinharas, onde criou aquele que seria um dos programas de maior duração da emissora, Violas e Repentes. O programa acompanhava os patoenses nas primeiras horas do dia em uma época em que a comunicação através do rádio era um dos principais meios de comunicação de massa para difusão de informações locais.

A professora Vamberlania Medeiros, uma das três filhas de Antônio Américo, recorda que, quando sua mãe viajava para fazer compras para a barraca que a família mantinha na feira livre do município, tinha que acordar de madrugada para acompanhar o pai até a sede da emissora. “O programa começava às 5h da manhã e abria a programação da Rádio Espinharas de Patos. Muitos cantadores de viola que passavam pela cidade também participavam do programa”, relata a filha do radialista.

Nos cerca de 30 a 40 minutos do Violas e Repentes, Antônio Américo se dividia na condução do programa com alguns companheiros, como Manoel Francisco, João Severo, Severino Feitosa, João Luiz, Biu Donato, entre outros, esforçando-se para prender a atenção de uma audiência. “Era um programa bem prestigiado por cantadores famosos, mas muitas pessoas aproveitavam
para dar avisos, fazer convites para eventos, pedir para mandar ‘alôs’, parabenizar, enviar felicitações para as pessoas e até fazer notas de falecimento.
Muitos desses pedidos eram feitos por meio de cartas, que ele recebia em sua barraca chamada Santo Antônio”, explica a professora.

Antônio Américo fez de sua voz um instrumento para fazer chegar ao coração dos ouvintes a poesia do Sertão. Aprendeu nas rodas de violas onde se apresentou durante suas andanças algumas das muitas estratégias que lançava mão nas ondas do rádio para tornar sua comunicação efetiva e afetiva.

Uma das lembranças da filha de Antônio Américo é da emoção que ele provocava em muitos ouvintes com as canções que cantava, como, por exemplo, algumas que falavam de vaqueiros. Quando ia para os sítios durante as férias, Vamberlania observava como todos escutavam o programa do pai e alguns até choravam com a interpretação do radialista e os repentes feitos de improviso. “Como todo cantador repentista, ele trazia em si este dom: a pessoa dava um mote ali, na hora, dizia o que gostaria que ele falasse, e ele, por uma iluminação divina, fazia surgir ali, na hora, não sei quantas estrofes”, conta.

Mas, para manter no ar por 28 anos, era preciso, além de talento, bons patrocínios. Nesse sentido, Vamberlania Medeiros também menciona que o círculo de amigos que o pai mantinha e que frequentava regularmente sua barraca, no mercado do município, sempre fez com que nunca faltassem os patrocinadores necessários. Eram, sobretudo, os amantes da cantoria que admiravam a poesia do potiguar radicado na Paraíba.

A barraca a que Vamberlania tanto se refere parece ter se tornado uma espécie de extensão do programa de rádio. Ela começou a se tornar ponto de encontro dos cantadores e do público que procurava, avidamente, as estórias contadas através da literatura de cordel, território que Antônio Américo também se lançou na década de 1970.

O historiador José Romildo de Sousa foi amigo de Antônio Américo e recorda que, quando chegava à famosa barraca às segundas-feiras (dia da feira livre do município), encontrava todo tipo de cordel, assim como repentistas e cantadores. Das muitas conversas que teve com o poeta cantador, relembra o contexto de produção da sua primeira e mais importante obra, História completa da Cruz da Menina: “Segundo Antônio Américo, a sua primeira obra como poeta de bancada foi escrita na década de 1970, graças à interferência do Dr. Enaldo Torres Fernandes, na época promotor de Justiça de Patos, que o levou até o cartório de Fernando Trigueiro e se responsabilizou perante o tabelião para que Américo tivesse acesso aos autos do processo referente ao caso da menina Francisca que foi martirizada no ano de 1923”.

Além do programa de rádio, Antônio Américo de Medeiros foi autor de diversos cordéis

José Romildo também lembra que cordel, naquela época, era não somente forma de divertimento como também fonte de informação para muita gente, sobretudo quem vivia na Zona Rural. “Dificilmente você chegava numa fazenda que não tivesse uma grande mesa com uma grande gaveta cheia de cordéis”, explica o historiador, reforçando que Antônio Américo foi o maior cultivador de cordel e cantador de viola da região.

Quando foi presidente da Fundação Ernani Sátyro (Funes), em Patos, José Romildo conta que recebeu do poeta um caderno com várias anotações das cantorias que tinha participado em suas andanças. Pretendendo fazer uma surpresa para o amigo, mandou digitar os escritos para transformar em livro. “No dia que ele chegou lá, eu estava com a boneca toda pronto do livro Vida, verso e viola. Quando eu mostrei, ele teve uma queda de pressão, que vi a hora de matar Antônio”, conta ele, sorrindo.

Antônio Américo deixou de fazer o programa radiofônico em 1988, mas não de escrever. Dentre outros títulos assinados por ele, estão A moça que mais sofreu na Paraíba do Norte, A vida de  Antônio Silvino, Lampião e a sua história contada em cordel, Os mestres da Literatura de Cordel, O marco do Sabugi, História da Guerra de Juazeiro do Padre Cicero em 1914, A fada do Bosque Negro e a Princesa de Safira, O fracassado ataque de Lampião a Mossoró e A vida de Lampião — intriga, luta e cangaço. A barraca Santo Antônio, no entanto, continuou até 2005, segundo relatos da filha Vamberlania Medeiros. O local continuava a ser ponto de venda de cordel, mas, principalmente, um ponto de encontro e de conversa tão conhecido, que se tornara visita obrigatória para quem chegava na cidade.

Antônio Américo de Medeiros faleceu após sofrer um infarto, em 21 de janeiro de 2014, na cidade de Patos, deixando esposa e três filhas, além de um grande legado para a cultura popular. Do também poeta cantador Oliveira de Panelas, colhemos, da apresentação do livro Vida, verso e viola, um trecho que pode bem sintetizar a jornada do artista e radialista por estas paragens: “O poeta e o cidadão há um só tempo, enfrentaram labirintos, peripécias, desilusões, desencantos, desdéns e descriminação. Mas, com sua habilidade genial, ei-lo vencedor,  erguendo o troféu da simplicidade e da vitória…”.

 

Marcos Carvalho
[email protected]

(A União, 23 de junho de 2024 – páginas 26 e 27)

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